Caminho das Estrela – Rita Guerra
“Ter vivido com cargas muito pesadas obrigou-me a criar defesa rapidamente"
Com “bom senso” venceu as adversidades que lhe bateram à porta e, Hoje, não hesita em dizer que é “muito feliz”.
Começou a cantar na adolescência. Já tinha a certeza de que queria seguir uma carreira musical?
Comecei com 14 anos e sempre tive a ambição de cantar, embora me tenha iniciado um pouco por acaso, depois de uma visita a um bar de um amigo. Como ele sabia que eu gostava de cantar desafiou-me naquela noite e, depois, passou a convidar-me para subir ao palco cada vez que lá ia. O bichinho foi crescendo e ficou. Além da música, também houve uma altura em que sonhei ser bailarina clássica.
E chegou a dançar?
Fiz ballet muitos anos, mas tive de parar devido a uma lesão. Tenho um osso do pé fora do sítio que ainda hoje me causa muitos problemas, como dores e cãibras. Também houve uma fase em que os meus pais me deram a escolher entre a dança e a música, porque esta última era uma área que eles achavam que eu devia mesmo explorar. Só que acabou por ser o meu pé a decidir por mim.
Então a família, mesmo sendo mais conservadora, nunca se opôs à sua carreira?
Não, porque eles gostavam muito de música. Estiveram sempre ao meu lado e deram-me muita força.
Cresceu entre Lisboa e S. João do Estoril. Que memórias guarda da infância?
Nasci no hospital militar, em Lisboa, onde vivi os primeiros anos da minha vida, na Avenida Estados Unidos da América. Só mais tarde, quando essa casa ficou para o meu irmão mais velho, é que nos mudámos para o Estoril. Pelo meio, aos 12 anos, fui viver uns tempos para os Açores, porque o meu pai é oficial da Força Aérea e foi colocado na base das Lajes como adjunto do comandante da base.
Foi uma mudança radical em termos de ambiente...
Mas foi também a época mais gira da minha vida. Fazia imenso desporto, andava sempre de bicicleta, ia para a praia o ano inteiro e dava grandes passeios. Hoje os Açores estão muito mais desenvolvidos, mas naquela época era natureza pura e dura. As ilhas são um paraíso de cor. Na base das Lajes jogávamos bowling e passávamos a vida a comer batatas fritas e sundaes, uns gelados que actualmente são vulgares nos espaços de fast-food, mas que naquela época nem sequer existiam no comércio português. Ainda me lembro que custavam 50 cêntimos americanos. Também havia um piano de cauda enorme na sala dos oficiais que sempre me fascinou.
Actualmente também vive perto da natureza,
De certa forma sim. É um sítio que gosto muito e que tem outra grande vantagem: está pertíssimo de Lisboa.
Tem animais?
Três cadelas: Uma salsicha de pêlo cerdoso, loura de olhos verdes, uma basset-hound, que foi prenda da minha manager e da minha banda no meu último aniversário e uma grand danois. Toda a agente sabe que adoro animais.
Como é um dia perfeito para si?
Pegar no carro e ir dar uma volta com o meu marido e a minha filha, Madalena, e pararmos para almoçar ou lanchar em algum lado. Também gosto de ir ao cinema à noite ou de receber os meus filhos e amigos lá
Não tem empregada doméstica?
Não, eu e o meu marido fazemos tudo em casa porque gostamos. Sou muito esquisita e há certas coisas que prefiro ser eu a tratar.
Foi mãe pela primeira vez aos 17 anos e, no ano passado, aos 40, teve o seu terceiro filho. Deve ter vivido estas duas experiências de forma completamente diferente...
Foram situações muitos distintas. Esta última gravidez foi vivida em pleno, muito desejada e perfeita. Só estive enjoada uma única vez, quase no final da gravidez, no Casino do Estoril: estava prestes a entrar em palco, num palanque com cerca de dois metros e meio de altura, quando, no momento exacto em que a cortina ia abrir, senti que ia desmaiar. Só tive tempo de descer rapidamente e pedir ajuda aos bombeiros, que já tinham ordens para estar atentos comigo. Afinal foi só uma quebra de tensão, que me obrigou a ficar deitada no chão uns minutos, mas depois passou. Não foi nada de especial.
E a primeira foi difícil?
Quando tive o meu primeiro filho as circunstâncias não me permitiram viver uma gravidez calma. Além disso, era completamente imatura, uma miúda que não tinha a informação que hoje os jovens têm. Tenho a consciência que foi uma experiência vivida com muito medo.
Fez muitos sacrifícios?
Nessa altura tive mesmo de fazer um interregno na música e comecei a trabalhar numa rádio. Sei muito bem o que é acordar quase de madrugada e ir para o trabalho de transportes públicos com o filho às costas, faça chuva ou sol. É por isso que admiro muito as mulheres que também o fazem porque senti na pele tudo isto. Foi difícil, mas agora o meu filho está criado. É um homem de 23 anos todo giro!
Será por isso que, recentemente, doou um vestido para a associação Ajuda de Mãe?
Não só por ser mãe, mas a verdade é que a maternidade faz com que o nosso lado sentimental esteja mais à flor da pele.
É uma mãe galinha?
Creio que todas as mães têm as antenas sempre no ar. O cuidado com as crianças nunca é demais e, apesar de a Madalena ser o meu terceiro filho, as preocupações não diminuem nunca. Sempre que ouço uma criança a chorar questiono-me se lhe estarão a fazer mal. É o reflexo da porcaria do mundo em que vivemos hoje.
No amor nem sempre foi feliz. São conhecidos os conflitos com o seu ex-marido, mas teve sempre a capacidade de vir à tona. O que lhe dá força?
O facto de ter vivido com cargas muito pesadas aos ombros fez com que tivesse de criar defesas, apelar ao bom senso e raciocinar rapidamente para conseguir respirar algum oxigénio porque, de outra forma, tinha-me atirado ao rio com uns calhaus presos aos pés. É uma força feita de experiências que não funcionaram, mas das quais colhi aprendizagem e que já fazem parte do passado. Agora estou muito feliz com o Paulo Martins: é um excelente pai, marido, músico e até na lida da casa se safa muito bem. É a pessoa que qualquer um precisa para estar bem. Sobre o passado é que não gosto mesmo de falar. É um assunto arrumado e o que interessa é que hoje sou uma pessoa muito feliz.
'O MEIO DA MÚSICA NÃO É FÁCIL'
Ao longo de 25 anos de carreira deve ter acumulado muitas histórias de percalços em palco...
É verdade. Alguns foram episódios verdadeiramente hilariantes. Uma vez, também no Casino, num espectáculo em que cantava com um xaile enorme, entrei no palco e notei que estava toda a gente a sorrir, apesar de eu estar a interpretar um fado muito triste e solene. Ainda pensei que tinha um sapato de cada cor ou coisa do género, mas não via nada de anormal. Só quando saí do palco reparei que tinha o meu soutien, de renda branca, pendurado na ponta do xaile. Que vergonha!
O balanço é positivo?
O meio da música não é fácil, mas creio que convivemos todos muito bem uns com os outros. Tive alguns azares com editoras e pessoas com quem trabalhei, mas não foi nada fora do normal e consegui dar sempre a volta por cima. Claro que também tive muitos momentos felizes. É um balanço muito positivo porque adoro aquilo que faço.
Nunca foi convidada para experimentar outras áreas, como a televisão ou o cinema, por exemplo?
Já recebi alguns convites, mas gosto de fazer aquilo que faço porque sei que me sai bem. Prefiro estar no meu cantinho.
ÁLBUM DE MEMÓRIAS
Nasceu em Lisboa, a 22 de Outubro de 1967. Em 1990 gravou o seu primeiro álbum, ‘Pormenores sem importância’, apadrinhado por Rui Veloso. Foi cantora residente do casino Estoril e, durante vários anos, fez parceria com o cantor Beto. Em 2002 representou Portugal na Eurovisão. Tem cinco discos a solo.
Fonte Texto/Imagem: Jornal “Correio da Manhã”
Jornalista: Vanessa Fidalgo