Maio 26 2009

 

“Nunca tive a aspiração de ir lá fora. Lá há muitas Ritas Guerras” - Rita Guerra

 

No passado mês de Janeiro, Cifrão entrevistou Rita Guerra. Aqui fica a entrevista:

 

À primeira vista, Rita Guerra e Cifrão formam um par improvável. Mas há discos que são como a vida – uma caixinha de surpresas. Assim é ‘O Melhor de Rita Guerra – Acústico ao Vivo’, que regista 25 anos de carreira de uma das maiores vozes nacionais e traz o tal dueto, no tema ‘Pormenores sem a Mínima Importância’. A entrevista começou como a parceria: uma inundação no estúdio e a dupla a recordar os percalços da actuação, registada em DVD. Depois, veio a ‘bonança’, a notícia que os precipitou para os braços um do outro em elogios mútuos: o primeiro lugar no top e um disco de platina, ou seja, 20 mil unidades vendidas em menos de um mês.

 

Cifrão - Quando subo ao palco para cantar uma só música, sabe-me sempre a pouco. Preciso de fazer uns quatro ou cinco temas para retirar satisfação plena. Foi um bocado o que aconteceu quando subi ao palco para cantar contigo: soube a muito pouco. Não te acontece?

Rita Guerra - Também. Às vezes, acabo um concerto de uma hora e meia com vontade de continuar. Quando cantámos juntos, estava nervosa, porque não começou bem: era para ter entrado de lado e acabei por chegar ao palco por cima. E ainda por cima sem luz.

 

C. - E eu com o braço estendido, para apontar para o lado... 'senhoras e senhores: Rita Guerra...'. É então que o ‘road manager’ me aponta para cima e eu dou meia volta com o braço no ar, até tu apareceres! (risos)

R.G. - Mas foi muito bom... até já repetimos a experiência. Eu curti muito, fartei--me de dançar, que é coisa que nunca faço! É o ‘bichinho’. Tu já andavas a tocar esta música há muito tempo, não era?

 

C. - Sim, gostei muito dela e costumava fazer sozinho as duas vozes. Mas connosco resultou bem, muito melhor. Houve até um senhor, músico de uma geração bem mais velha, que me disse: ‘viu-o na gala da TVI, a cantar com a Rita Guerra, e devo dar-lhe os parabéns. Afinal você sabe cantar!’. Parece que dei um passo em frente ao teu lado, isto em jeito de agradecimento.

R.G. - Foi porque tiveste uma oportunidade diferente. As pessoas ainda têm muito o preconceito dos ‘boys band’ que, aliás, foi coisa que os D’ZRT nunca foram. O público ainda não te tinha ouvido a ti.

[Via telefone, Rita Guerra recebe a boa nova: 'estás em primeiro lugar do top e já é platina!']

R.G. - IUUUUUPIIIII! Cifrão! Cifrão, o disco está em primeiro. Nem consigo acreditar. Que bom!

 

C. - Uau! Parabéns. Tu mereces. É plenamente merecido. O que sentes neste momento, quando o resumo da tua vida artística chega ao primeiro lugar do top?

R.G. - É formidável. Ainda nem estou bem em mim. É sinal que evoluí e que as pessoas continuam interessadas na minha carreira. É também o fruto de muito trabalho.

 

C. - Quantos anos tinhas quando descobriste que sabias cantar?

R.G. - Cinco ou seis anos. Mas os primeiros a descobrir foram os meus pais e a vizinha de cima, porque eu costumava cantar no hall de entrada da moradia.

 

C. - E o que é que costumavas cantar?

R.G. - Os jingles da televisão – como quase todos os miúdos - as canções do Festival da Canção e o que os meus pais e irmãos ouviam em casa, como Charles Aznavour, Mireille Mathieu, Frank Sinatra, Beatles ou Led Zeppelin.

 

C. - Qual foi a tua primeira actuação profissional?

R.G. - No clube dos oficiais americanos, na base das Lajes, Açores. Fui para lá viver com 12 anos, porque o meu pai era oficial da Força Área... O responsável pelo clube costumava ouvir-me às escondidas e acabou por convidar-me para lá actuar na festa do Dia da Mãe. Pagou-me 15 dólares, o que na altura era ‘bué’! Fui logo comprar uns ténis da Nike! Quando voltei para o continente, com 16 anos, passei a ter um dia certo, uma vez por semana, no Marquês da Sé, em Lisboa, onde cantava essencialmente ‘covers’.

 

C. - Viver numa base é muito interessante, é um mundo....

R.G. - Na altura era muito giro para um miúdo viver ali: às 6h00 da manhã tínhamos de estar na porta de armas da base para apanhar a carrinha para irmos para a escola, em Angra do Heroísmo. O autocarro parava em várias terrinhas e aconteciam sempre aventuras: ou havia um burro atravessado na estrada, ou uma derrocada. Na base, jogávamos basquete, bowling – aquilo que hoje são os ‘sundaes’ do McDonald’s já naquela altura havia no clube de bowling dos americanos –, andávamos de bicicleta e tínhamos um ringue de patinagem espectacular e um cinema, para onde íamos à noite.

 

C. - Sempre foste autodidacta, no sentido de sentires que o teu caminho era algo muito próprio, ou sentiste necessidade de ter formação?

R.G. - Senti ambas as coisas. Ou seja, senti que tinha algumas bases e que o território em que me movia era aquele em que me sentia bem. Mas os meus pais sempre defenderam que eu deveria ter formação clássica, até porque já havia um exemplo na família – sou prima da Maria João Pires. O mais engraçado é que eu dançava e queria mesmo era ser bailarina clássica. O destino decidiu por mim: acabei por descobrir que nunca poderia dançar em sapatilhas de pontas porque tenho um problema nos tornozelos. Optei pela carreira que me dava maior longevidade. Nunca me arrependi. Não quer dizer que não tenha cometido erros mas quando se fazem as coisas com paixão e dedicação é meio caminho andado para correrem bem. Tive aulas de piano vários anos e estudei no Instituto Gregoriano de Lisboa, mas depois a minha vida deu uma volta e tive de deixar... casei, fui mãe, comecei a trabalhar... tornou-se tudo complicado.

 

C. - Quem te descobriu e como?

R.G.- Trabalhava como recepcionista na Rádio Gest e, entretanto, calhou dizer a alguém que ia cantar num sítio qualquer. Mais tarde, decidiram fazer a festa de aniversário no Casino do Estoril e o Henrique Garcia achou por bem perguntar-me se queria fazer a primeira parte do Adamo, que era o artista convidado da gala.

 

C. - Ou seja, puseram a recepcionista a fazer a primeira parte!

R.G. - (risos) Foi quase uma brincadeira. Mas a sorte é que o Tozé Brito estava na plateia e agendou uma reunião comigo na antiga Polygram, onde me desafiou para gravar um disco. A minha vida levou uma grande volta nesse dia: antes do final dessa noite, o director artístico do casino convidou-me para ir trabalhar para lá.

 

C. - Gravaste o teu primeiro álbum em português e o segundo em inglês. Porquê? Estavas a pensar na internacionalização?

R.G.- Nunca senti coragem para sair do meu País. Sempre achei que lá fora existiam ritas guerras aos pontapés, a cantar mil vezes melhor do que eu, que moravam a um quarteirão dos compositores e podiam trabalhar directamente com eles. Nunca tive essa grande aspiração, sempre achei que tinha muito para construir em Portugal. Por outro lado, também já era mãe na altura, o que complicava uma aventura desse género. Nesse disco apenas prevaleceu a influência da música anglo-saxónica, que ouvi toda a vida.

 

C. - Às vezes, para a internacionalização acontecer, só é preciso estar no sítio certo...

R.G. - Foi o que aconteceu com a minha parceria com o Ronan Keating. Ele viu--me na televisão e quis cantar comigo.

 

C. - Chegaste a fazer world music e até já cantaste alguns fados. Nunca pensaste em explorar esse caminho a sério?

R.G. - Passei pelo fado há já muitos anos, gravado e ao vivo, com o João Braga, em espectáculos em que interpretava fados da Amália, como o ‘Gaivota’. Certa noite, fiquei nervosíssima porque ela tinha ido assistir. Lá fiquei com o coração apertadíssimo, mas tive a honra de ouvir da boca dela que tinha gostado. Mas nunca explorei isso porque nunca quis correr o risco de alguém dizer: ‘Olha, não foi lá de outra maneira, foi pelo fado’. Se algum dia for lá para fora, será pelo repertório que tenho.

 

C. - Tens desvarios no palco? Ou seja, momentos em que te deixas levar pelas emoções?

R.G. - Claro que tenho. Já me aconteceu chorar.

 

C. - E se o dia estiver a ser o pior da tua vida, és apologista da máxima ‘show must go on’?

R.G. - Completamente. É preciso desligar. A música também é terapêutica...

 

 

C. - Ter cantado contigo foi das experiências mais enriquecedoras que tive. Esta é a pergunta do ‘discípulo perante o mestre’. Que conselhos tens para me dar?

R.G. - Faz essencialmente aquilo em que acreditas e fá-lo com paixão. Isso é meio caminho andado para que as coisas resultem. Nunca cedi a pressões, nem a modas. Às vezes, dizer que não é mais importante do que estar sempre presente. Quem é genuíno deixa sempre um bocadinho de saudade.

 

Entrevista: Correio da Manhã / Vanessa Fidalgo

Fotografia: Tiago Sousa Dias

publicado por Fãs Rita Guerra às 16:37

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A nossa visitante, eualentejana, perguntou-nos há uns tempos onde seria o concerto da Rita Guerra, em Beja, no dia 6 de Junho de 2009, só agora foi-nos possível responder. Cara eualentejana, o concerto terá lugar no Parque de Exposições e Feiras, pelas 22H00
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